ACADEMIA GOIANA DE LETRAS

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

TERTÚLIAS NA ACADEMIA GOIANA DE LETRAS -

Machado de Assis foi poeta? Dedico ao amigo Waldir de Luna Carneiro

Normalmente, após a reunião administrativa da Academia, que acontece às quintas-feiras, a cada 15 dias e sempre às 17 horas, os acadêmicos se reúnem ao redor de uma mesa, localizada em uma pequena sala, nas imediações do nosso auditório. Parece que a 5ª. Feira é um dia simbólico para estas reuniões; como curiosidade, vejamos o que Agripino Grieco escreveu no seu livro “Estrangeiro”: de regresso, as reuniões de quinta-feira no habitáculo desarrumado dos ficcionistas... Naturalmente, nessas tertúlias... Nossa amiga Enizete Ferreira, com o carinho e a delicadeza que lhe é peculiar, se encarrega de servir café, chá, biscoitos, salgados, refrigerantes e eventualmente (dependendo da solicitação de algum acadêmico e, principalmente, se restou alguma coisa da última doação feita pelo acadêmico Luiz Augusto Sampaio) algumas doses de whisky temperado com gelo, sob o profissional comando do bom amigo Valdino Batista. Reunião agradável, sem o rigor da disciplina consistorial que, diga-se de passagem, nosso presidente Prof. Modesto Gomes faz questão de cumprir no auditório. Os assuntos são os mais variados possíveis, porém, com maior enfoque, como não poderia deixar de ser, para a literatura; como ainda sou neófito na roda, procuro mais ouvir do que falar, principalmente se ocorre uma discussão entre os acadêmicos, Prof. José Fernandes, com sua imensurável cultura e Eurico Barbosa, possuidor de um privilegiado arquivo de reminiscências. Em uma destas reuniões resolvi trazer à discussão um assunto que provocou muita celeuma no Congresso Brasileiro de Médicos Escritores, realizado em Fortaleza no final do ano do ano passado. Durante a apresentação de uma conferência sobre Machado de Assis, proferida pelo meu confrade Dr. Luiz Gondim do Rio de Janeiro, alguém do auditório questionou o orador sobre o valor literário da obra poética do Bruxo do Cosme Velho. A pergunta, naquela oportunidade, foi muito incisiva: Machado de Assis foi poeta? Como não poderia deixar de acontecer, ao ouvirem a pergunta maliciosa, vários acadêmicos que participavam da nossa reunião aqui de Goiânia e que aludi acima, deixaram seus refrigerantes e os quitutes de lado e entraram na discussão; alguém salientou: na verdade, a não ser o poema “Carolina” que, como o sabemos, ele fez para sua esposa morta e um ou outro, de um universo bastante expressivo de incursões que Machado fez nesta seara, realmente, a tese mereceria ser discutida. Vários outros acadêmicos presentes (Eurico Barbosa, Luiz Augusto Sampaio, Leda Selma, Moema Olival, Luiz Aquino, Ursulino Leão, Geraldo Coelho Vaz, Moura, dentre outros) participaram da discussão, expressando seus pontos de vista e, sobretudo, embasando suas intervenções em sólidos argumentos literários. De acordo com o Acadêmico Prof. José Fernandes, não deveria haver, em hipótese alguma, dúvida a este respeito; parece, segundo ele pensa, que a razão desta discussão ainda perdurar, deve-se ao fato do respeitado crítico literário brasileiro do século XIX, Silvio Romero, ter negado a Machado de Assis a condição de poeta. O que trouxe maior credibilidade àquela afirmativa é o fato de que Silvio Romero fez justiça ao grande literato que foi Machado, dizendo textualmente “ele escreveu páginas que nenhum escritor em língua portuguesa produziu” O Prof. José Fernandes entende que aquele crítico literário fez aquela afirmativa devido à existência de uma idiossincrasia entre os dois; realmente, em consulta que fizemos (Brito Broca, A vida literária no Brasil 1900), tomamos conhecimento que Silvio Romero publicou, pelo menos, dois livros virulentos contra Machado de Assis (Machado de Assis, 1897 e O naturalismo em literatura, 1882). Neste segundo livro, o autor deixa o nível cair abaixo do lamentável, nominando o autor de Dom Casmurro “capacho de todos os governos”; “acostumado ao elogio incondicional” e, para explicitar sua má vontade para com a sua poesia, acusa-o de “falta de imaginação, de gosto pela paisagem, de graciosidade e de ausência das grandes paixões, que propiciam linguagem candente e energia da emoção. Nunca fez escola, nunca foi popular”. A de se ressaltar, também, que Silvio Romero sempre foi muito polemista, haja vista o violento ataque que desfechou em 1909 (Zeverissimações ineptas da crítica, 1909) contra o inatacável crítico literário José Veríssimo porque este cometeu o crime de negar a existência da “Escola de Recife”, idealizada por Tobias Barreto, de quem Romero era grande amigo. Nas páginas do livro acima citado, cujo título (abreviatura do nome José Veríssimo) já é uma tentativa de deboche, Silvio Romero arremete furiosamente contra o opositor do momento, copiando, inclusive, a tática empregada por Camilo Castelo Branco: destempero verbal. O achincalhe menos provocativo foi o de apelidá-lo de Quasimodo, alusão ao seu físico, semelhante, na sua visão, ao personagem do romance “Corcunda de Notre Dame”.A continuação desta discussão ocorreu no auditório da nossa Academia Goiana de Letras, no pretérito mês de fevereiro, quando, naquela oportunidade, nosso sodalício promoveu, em comemoração ao seu centenário de morte, uma semana de debates sobre a vida e a obra de Machado de Assis. Constaram da programação, apresentação e discussão de textos produzidos por intelectuais que realmente conhecem a vida e a obra do maior vulto da literatura brasileira: Prof. José Fernandes, Eurico Barbosa e Modesto Gomes, pertencentes aos quadros da AGL e a Profª. Heloisa Helena de Campos Borges, presidente da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás. Foi uma noite de encantamento literário!